Observação do pé: que problemas?

Dr. Rui Cernadas, vice-presidente da ARS do Norte
05/07/16
Observação do pé: que problemas?

A diabetes mellitus é um problema de Saúde Pública associado a altas taxas de morbilidade e de mortalidade, não dissociado de fortes fatores hereditários e ambientais.

Em Portugal, terá uma prevalência estimada em 2014, na população com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos (cerca de 8 milhões de indivíduos) de 13,1% (1).

Na realidade, segundo dados da OCDE, Portugal é mesmo o país da Europa com a mais alta taxa de prevalência de diabetes, estimando-se que esta continue numa tendência de crescimento durante os próximos anos.

Mas a diabetes reveste-se de importantes e graves implicações sociais, económicas e humanas. Calcula-se que em 2014, considerando a população diabética diagnosticada em Portugal, os custos totais associados possam ter ascendido aos 862 milhões de euros.

A promoção de modelos organizativos que estimulem a gestão integrada da diabetes no Serviço Nacional de Saúde, designadamente no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários e dos cuidados hospitalares, atribuiu às Unidades Coordenadoras Funcionais da Diabetes a responsabilidade dos planos de ação locais anuais, envolvendo as estruturas correspondentes.

Os Planos Locais de Saúde, desenvolvidos pelos ACES e o aprofundamento da relação com os hospitais de referência serão determinantes nos resultados e poderão explicar as desigualdades regionais.

De igual modo, o modelo organizativo em USF pode ajudar à diferença, por exemplo a partir do que se observa no norte, onde estão mais de metade das USF do país e onde os indicadores obtêm maior nível de exigência e de resultados. De igual modo, claro, uma maior taxa de cobertura dos utentes por médico de família é razão para justificar as desigualdades.

Dados de 2012 da OCDE (2) indicavam que a taxa de hospitalizações por descompensação/complicações da diabetes observada em Portugal era inferior à dos restantes países europeus.

No entanto, o número de utentes saídos/ internamentos nos hospitais do SNS em que a diabetes se assumiu como diagnóstico associado apresenta uma tendência de crescimento nos últimos cinco anos (cerca de 40%). Após um período de três anos consecutivos em que se verificou um incremento da ocorrência de internamentos por "pé diabético", registou-se, em 2014, uma quebra tanto no número de internamentos como no número de amputações. Por correspondência direta, um aumento no indicador da observação do pé diabético (atingiu 86,3% nas USF) e as amputações registam o valor mais baixo da década.

A classificação do tipo de amputação em major (ao nível da coxa, perna ou tornozelo) e minor (ao nível dos dedos ou transmetatársica) é importante, pois a amputação major tem uma repercussão mais marcada na qualidade de vida do paciente. Determina uma menor capacidade de marcha e da autonomia, quando comparada com uma amputação minor, mesmo que haja sucesso na protetização (3) e, portanto, o problema mais preocupante, sobretudo nas de tipo major, não é apenas o número total das amputações sofridas pelos diabéticos.

Para além disso, na grande maioria dos casos ocorrerá nova amputação e decorridos cinco anos sobre a primeira amputação, mais de metade dos casos terão sofrido amputação contra lateral (3). As amputações de membros inferiores registaram mesmo o valor mais baixo da década (1385), sobretudo no que se refere às amputações major que baixaram para 560.

Ora a redução das amputações major era já um dos objetivos centrais da “Declaração de St Vincent”, razão pela qual a criação nos hospitais do SNS de uma espécie de “Via Verde do Pé Diabético”, sob referenciação simplificada, poderia reduzir significativamente a ocorrência de amputação de membros inferiores das pessoas com diabetes.

Os Cuidados de Saúde Primários, ainda que isso implique maiores tempos de consulta e mais acessibilidade dos doentes, na gestão das doenças crónicas não podem abdicar da responsabilidade que lhes compete e que o modelo atual de contratualização do desempenho pode justificar.

O aconselhamento e o papel na educação permanente para a saúde dos doentes e da comunidade que integram são cruciais na prevenção das complicações da diabetes.

A evidência demonstra que o rastreio sistemático do pé diabético leva à diminuição acentuada do número de amputações dos membros inferiores.

A escolha de indicadores clínicos relevantes e exigência nas metas, apenas acentuam esta orientação estratégica indispensável num SNS que se quer afirmar e perdurar.

Dr. Rui Cernadas
Médico de Família
Vice-presidente da ARS do Norte

Bibliografia
(1) Observatório Nacional da Diabetes. Diabetes: Factos e Números – O Ano de 2014 – Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes. 2015
(2) OCDE. Health Status 2012. Disponível in http://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode=HEALTH_STAT#
(3) Serra L. O Pé Diabético: Manual para a Prevenção da Catástrofe. Edições Lidel; 2008

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