VIH/SIDA: qualidade de vida dos doentes melhorou?

Redação News Farma
22/01/13

Dr.ª Manuela DoroanaHá 30 anos, o mundo viu-se perante uma doença incurável, fatal a curto e médio prazo, que rapidamente criou uma vaga de medo, morte e discriminação. Falamos da SIDA. Com o passar do tempo, o diagnóstico e o tratamento evoluíram de tal forma que a qualidade de vida dos doentes melhorou.


A Dr.ª Manuela Doroana, infecciologista do Hospital de Santa Maria, e o Dr. Eugénio Teófilo, internista do Hospital dos Capuchos, falam acerca das mudanças ocorridas.

– Nas décadas de 80/90, ouvíamos falar de SIDA como uma doença mortal. O que mudou desde então?

Manuela Doroana (MD) – Até 1997, os tratamentos eram escassos, compostos por um ou dois fármacos, e nem sempre utilizados adequadamente, ou seja, os doentes já estavam muito imunodeprimidos e, por esse motivo, a sobrevivência era baixa. A partir de 1997, com a introdução de uma nova classe terapêutica e o início da utilização de três fármacos associados, a resposta ao tratamento passou a ser completamente diferente, fazendo com que os doentes ainda só portadores do vírus não progredissem para doença. Com o aparecimento de novos fármacos, mais convenientes e mais potentes, e a compreensão dos doentes para o cumprimento rigoroso na toma dos fármacos, toda a evolução da doença se modificou, com uma menor mortalidade e, hoje em dia, a sua esperança de vida é semelhante à dos indivíduos não infetados.

– Em que mudou a terapêutica desde que os primeiros casos foram diagnosticados?

Dr. Eugénio TeófiloEugénio Teófilo (ET) – Quando surgiram os primeiros casos, não havia nada. Tratavam-se os sintomas das doenças oportunistas e era muito complicado tratar estas doenças sem que o sistema imunitário melhorasse. Em 1987, surgiu o primeiro medicamento utilizado numa dose elevada, tomado 4-6 vezes por dia, e os doentes tinham tantos efeitos secundários que houve quem se interrogasse se não estariam a morrer por causa do medicamento e não por causa da SIDA. Depois foram aparecendo mais medicamentos e começaram a fazer-se associações. Em 1995, surgiu outro medicamento da mesma classe terapêutica, que melhorou bastante o estado clínico dos doentes e é em 2006 que são apresentados os primeiros resultados, com a introdução dos inibidores da protease e a capacidade de controlar a replicação viral. Este foi o início da terapêutica antirretroviral moderna.

Estes fármacos mais antigos provocaram muitos efeitos adversos e surgiram complicações metabólicas e alterações da forma corporal que conduziram à identificação da lipodistrofia. Estas alterações foram muito emblemáticas, pois, permitiam a identificação das pessoas que tomavam os medicamentos e contribuiriam para a estigmatização dos indivíduos infetados pelo VIH.

– Existem novos tratamentos? Qual o seu valor terapêutico acrescentado?

MD – Recentemente, foram aprovados novos medicamentos, também disponíveis em apenas um comprimido. Estes novos medicamentos tornam-se, especialmente relevantes em doentes que tenham alterações neuropsiquiátricas, como alterações do sono, pesadelos, alterações do humor ou tendência para depressão. Os novos medicamentos tendem a ser muito melhor tolerados, bem como a possuir um perfil lipídico com menor tendência para aumento dos triglicéridos.

– Atualmente, quais são os fatores críticos de sucesso do tratamento da infeção VIH?

MD – Os fatores críticos serão a capacidade para convencer o doente da importância de adesão à terapêutica e a escolha mais correta do tratamento para cada doente mediante as suas características, ou seja, verificar quais as queixas que o doente tem à partida, quais as doenças que tem associadas, o seu modo de vida.

O essencial parece-me ser a confiança que o doente tem no seu médico, de modo a que passe a fazer a medicação que se repercutirá na sua saúde e no seu bem-estar.

– Qual a importância da adesão à terapêutica na resposta ao tratamento?

ET – É necessária uma boa educação do doente para que entenda a importância do tratamento, bem como a sua correta administração. Mas a terapêutica tem de ser cómoda para que provoque a menor disrupção possível da vida do doente. Além disso, deverá ser o mais isenta de toxicidade possível, sobretudo quando falamos de iniciar o tratamento mais precocemente, numa altura em que as pessoas estão completamente assintomáticas.

– As alternativas terapêuticas mais simples podem contribuir para uma melhor adesão à terapêutica?

MD – A adesão à terapêutica está diretamente relacionada com a melhor tolerabilidade do tratamento, com o menor número de comprimidos e com a capacidade de o médico abordar o tratamento em conjunto com o doente. Em todos os questionários que foram realizados aos doentes sobre terapêutica na nossa consulta a parte da simplificação foi valorizada por estes e quando lhes foi sugerido para mudar a terapêutica de dois comprimidos para um a resposta afirmativa foi unânime.

– O que os doentes mais valorizam no seu tratamento?

MD – Os doentes valorizam a comodidade do esquema terapêutico e a sua simplificação. As perguntas que mais frequentemente fazem quando lhes é abordada a perspetiva de iniciar medicação são qual o número de comprimidos que irão fazer e os efeitos que os medicamentos lhe irão trazer para a sua vida.

– Com o atual tratamento, podemos travar esta epidemia?

ET – Este aspeto tem sido debatido desde há dois ou três anos, e o tratamento das pessoas infetadas deve ser encarado como um problema de saúde pública. Se pensarmos que uma pessoa infetada com carga viral elevada tem maior risco de infetar outras pessoas numa relação sexual e que esse risco diminui muito quando o tratamento antirretroviral é eficaz, se tratarmos precocemente as pessoas infetadas podemos diminuir o número de novas infeções na comunidade. Tem de implementar-se novamente um programa de prevenção com enfoque no sexo mais seguro e utilização do preservativo nos contactos sexuais.

MD – Terão de existir novas formas de abordagem, nomeadamente na prevenção, pois, todas as semanas surgem novos casos diagnosticados de infeção por VIH na consulta. Existem ainda doentes não diagnosticados, pois, as manifestações de doença podem surgir tardiamente.

– Que avanços terapêuticos podemos esperar no futuro próximo?

MD – A eficácia alcançada com os esquemas terapêuticos na atualidade já é bastante elevada, pelo que o que teremos, no futuro, de continuar a trabalhar será a tolerabilidade máxima dos constituintes, mantendo o regime da simplificação para um comprimido por dia ou, quem sabe, no futuro, podermos utilizar novas moléculas, cuja sobrevida seja tão grande e a administração possa ser de uma vez por semana. Até ao momento, a vacina e mesmo a cura não me parecem estar no horizonte, a curto ou médio prazo.

ET – Atualmente, há uma tendência para a simplificação do tratamento, de forma a melhorar a adesão e a sua eficácia. Claro que isso só poderá ser possível com fármacos bem tolerados e cuja administração seja cómoda. Nos próximos dois ou três anos, estarão disponíveis cinco regimes terapêuticos num só comprimido, incluindo diversas classes terapêuticas: não nucleósidos, inibidores da integrase e inibidores da protease.

Estão também em desenvolvimento formulações de fármacos, alguns já disponíveis com nanomoléculas que permitiriam a administração parentérica mensal. Também em ensaio clínico há um inibidor da fusão com possibilidade de administração trimestral. Há ainda uma série de moléculas em estudo para tentar erradicar os vírus dos santuários e conduzir à eventual cura.

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